PUBLICAÇÕES Incompreensões da Vida No limite da lei e da justiça

Nos anos 80, o cinema glorificava heróis durões que impunham justiça pela força. Inspirados por essa cultura, muitos jovens ingressaram nas forças policiais, mas a linha entre justiça e brutalidade se tornou tênue.
Nos anos 80, cinemas e canais de TV estavam repletos de clássicos do faroeste, onde justiceiros destemidos enfrentavam bandidos impiedosos. O público se encantava com a magia do cinema, que glorificava tiroteios e confrontos físicos como símbolos de bravura. Heróis como Clint Eastwood em Os Imperdoáveis ou John Wayne em Bravura Indômita personificavam a ideia do homem respeitado por sua força, astúcia e coragem.
No gênero policial, o arquétipo do "tira durão" dominava as telas. Filmes como Dirty Harry (1971) mostravam protagonistas implacáveis, como o detetive Harry Callahan, que não hesitava em usar a força para manter a ordem. Uma de suas falas mais icônicas—"Você se sente com sorte, punk?"—reflete o espírito de uma época que via a violência como um meio legítimo de combate ao crime.
Como seres humanos, aprendemos facilmente por observação e repetição, e essa influência cultural não passou despercebida. Crianças sonhavam em ser os mocinhos dos filmes, enquanto adultos adotavam a postura dos durões, armados e prontos para agir como seus ídolos da ficção.
Com o tempo, as legislações sobre porte de armas se tornaram mais rígidas, e a sociedade civil passou a andar desarmada. No entanto, o fascínio pelo poder e pela autoridade não diminuiu. Muitos jovens, inspirados pelas imagens heroicas do cinema, passaram a ingressar nas forças armadas e policiais, buscando reconhecimento e status.
O problema é que essa nova geração, impregnada pelos valores da cultura da época, começou a usar a força não mais como uma necessidade, mas como demonstração de poder. Em vez do senso de justiça, cultivou-se a brutalidade como forma de afirmação social. Assim, a linha entre a ficção cinematográfica e a realidade foi se tornando cada vez mais tênue.
O Declínio da Valorização e a Busca por Provar o Próprio Valor
Os policiais daquela época já não se sentiam valorizados. Havia uma necessidade constante de provar seus valores tanto para a sociedade quanto para seus pares. Assim, para ser respeitado, o policial precisava demonstrar coragem, e a forma mais extrema de fazê-lo era matando. Muitas vezes, porém, isso ocorria sem a real necessidade ou legitimidade da legítima defesa.
A cultura dentro das corporações reforçava essa lógica: após uma ocorrência, quando um suspeito era morto, a justificativa repetida era sempre a mesma: "foi uma troca de tiro” ou “o suspeito reagiu”, no entanto, surgiam muitas vezes questionamentos e comentários contrários às alegações apresentadas. A própria polícia passou a questionar a legalidade das mortes da mesma forma que um árbitro analisa uma falta em campo, pesando os "critérios técnicos" sem considerar o valor da vida humana.
Os anos passaram, e as cobranças da sociedade sobre as forças policiais se intensificaram. Jornais e outros veículos de comunicação passaram a atacar incisivamente a violência e a corrupção dentro das corporações, enquanto deixavam de lado temas sensíveis ao governo. A polícia tornou-se um alvo frequente, servindo tanto como distração quanto como fonte de audiência para vender jornais e preencher horários vagos na televisão.
Paralelamente, a perda dos valores familiares e da religiosidade tem deixado os jovens cada vez mais vulneráveis à manipulação midiática. Muitos passaram a consumir e disseminar informações sem qualquer validação, confiando cegamente no que veem nas redes sociais, como Instagram, Facebook e TikTok. O fenômeno da desinformação se intensificou, alimentado por conteúdos fabricados sem qualquer compromisso com a verdade, muitas vezes produzidos grosseiramente por inteligências artificiais sem qualquer escrúpulo.
Além disso, a linguagem foi distorcida para mascarar condutas nocivas à sociedade. Mentira, calúnia e difamação passaram a ser suavizadas sob o rótulo de fake news, um anglicismo que nada mais significa do que o bom e velho "notícia falsa". O impacto dessa banalização da verdade vai além da esfera digital—ele influencia diretamente a política e a justiça.
Com o objetivo de escapar da responsabilização, políticos começaram a modificar e criar leis que, em vez de punir a corrupção, geram entraves jurídicos que garantem sua impunidade. Como consequência, o país tem caminhado para uma espécie de "terra sem lei", onde as normas existentes perdem sua eficácia e a criminalidade cresce sem freios, alimentada pela sensação de que o crime compensa.
Uma Perspectiva Bíblica e Psicológica
A psicologia explica que a necessidade de validação externa pode levar indivíduos a comportamentos extremos, especialmente quando associada a um ambiente de alta pressão social. A Teoria da Autoestima de Maslow sugere que, quando um indivíduo não encontra reconhecimento saudável, busca maneiras disfuncionais de se sentir importante—seja pelo poder, pelo medo que impõe ou pelo domínio sobre os outros.
Na psiquiatria, transtornos como o Transtorno de Personalidade Narcisista e o Transtorno de Conduta explicam comportamentos agressivos, onde a falta de empatia e a busca incessante por status levam indivíduos a ignorar a ética e o respeito pela vida humana.
A Bíblia já advertia sobre os perigos da vaidade e da busca desenfreada por poder. Em Provérbios 16:18, está escrito: "A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda." Da mesma forma, Tiago 4:1-2 nos lembra que os conflitos vêm das paixões humanas:
"De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Não vêm daqui, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais, e nada tendes; matais e invejais, e não podeis alcançar; combateis e guerreais, e nada tendes, porque não pedis."
A verdadeira força não está na brutalidade, mas no domínio próprio e na sabedoria. Como disse Jesus em Mateus 5:9: "Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus."
O que faltava—e ainda falta—não é apenas uma mudança de leis ou protocolos, mas uma transformação no coração dos homens. Sem amor próprio e sem comunhão com Deus, a busca por respeito se torna uma guerra sem vencedores, onde todos, no final, são consumidos pela violência que acreditavam controlar.
“O dia que o justo transpuser a linha da justiça e praticar o mal para fazer justiça, não tem mais diferença entre ele e o injusto.” Haroldo Dutra Dias - Espiritualidade e Vida - Palestras
Nova Venécia, 1 de fevereiro de 2025.
Sigamos em paz,
Rafael Cremasco Lacerda