PUBLICAÇÕES Incompreensões da Vida Direita ou Esquerda: uma escolha para o abismo
A polarização entre direita e esquerda, originada na Revolução Francesa, moldou a política mundial, mas seu dogmatismo ameaça o bem comum. Este artigo reflete sobre as raízes históricas, o perigo das escolhas cegas e o papel da espiritualidade no diálogo.
Desde a Revolução Francesa, os conceitos de “direita” e “esquerda” se estabeleceram como formas de categorizar ideias políticas, inicialmente referindo-se à posição física dos parlamentares na Assembleia Nacional. A “direita” representava os defensores da monarquia e da ordem tradicional, enquanto a “esquerda” buscava reformas e igualdade social. No entanto, ao longo dos séculos, essas posições evoluíram para abarcar um vasto espectro de ideologias, moldadas por contextos históricos, culturais e econômicos. Apesar de sua relevância no debate político, a polarização entre direita e esquerda apresenta perigos quando se transforma em uma escolha cega e dogmática, desconectada do objetivo primordial: o bem comum.
A História e as Ideologias
A direita, tradicionalmente, tem se associado à conservação de valores religiosos, culturais e econômicos. No século XX, regimes como o fascismo na Itália e o nacional-socialismo na Alemanha são exemplos extremos de como essa orientação pode degenerar em autoritarismo. Por outro lado, a esquerda, que prioriza justiça social e redistribuição de riqueza, viu na Revolução Russa de 1917 o início de regimes que, embora inspirados na igualdade, também resultaram em autoritarismo e repressão, como sob Stalin.
Apesar dos extremos, tanto direita quanto esquerda ofereceram avanços significativos. A direita foi responsável por promover a economia de mercado e proteger liberdades individuais em contextos democráticos. A esquerda trouxe conquistas como os direitos trabalhistas, a luta contra a desigualdade e a ampliação da educação e da saúde pública. Quando vistas de forma ampla, ambas as ideologias são ferramentas históricas de transformação. Porém, o problema surge quando a adesão a uma dessas visões se torna dogmática.
O Perigo da Escolha Cega
A história demonstra que a escolha cega de um lado político pode levar à instrumentalização de ideologias para interesses pessoais ou de pequenos grupos. Quando uma visão política se sobrepõe ao bem comum, a polarização cresce, fomentando o conflito e a estagnação. A fidelidade cega a uma ideologia pode também levar ao tribalismo político, onde a verdade é menos importante do que a lealdade ao grupo.
Um exemplo contemporâneo é a política global marcada pela ascensão de lideranças populistas, tanto à direita quanto à esquerda. Essas lideranças frequentemente exploram o medo e o descontentamento social, promovendo divisões em vez de soluções inclusivas. Nesse contexto, a polarização impede que a sociedade avance em direção a políticas que atendam ao bem comum, e o diálogo, essencial para a democracia, se torna impossível.
A Visão do Bem Comum no Cristianismo e no Espiritismo
A busca pelo bem comum tem profundas raízes em tradições religiosas e espirituais. No Cristianismo, o bem comum é central à mensagem de Jesus Cristo, que pregava o amor ao próximo, a solidariedade e a justiça social. A doutrina cristã enfatiza que toda a sociedade deve ser organizada de forma a promover a dignidade humana e o bem-estar coletivo. Encíclicas papais, como a Rerum Novarum e a Laudato Si', destacam a necessidade de combater a desigualdade e proteger os mais vulneráveis, promovendo uma economia e uma política orientadas pela caridade e pela verdade.
No Espiritismo, a ideia do bem comum é amplamente abordada por Allan Kardec e outros líderes espirituais. Segundo essa doutrina, a evolução moral e espiritual da humanidade depende da prática da fraternidade e do desprendimento de interesses egoístas. Obras como O Livro dos Espíritos destacam que os bens materiais e as posições de poder são instrumentos temporários que devem ser usados para promover o progresso coletivo. Nesse contexto, o bem comum não se limita a aspectos materiais, mas também inclui o desenvolvimento espiritual e a harmonia entre os indivíduos.
Tanto no Cristianismo quanto no Espiritismo, o bem comum transcende questões ideológicas, convidando a sociedade a uma reflexão mais ampla sobre o uso da política como ferramenta para a construção de um mundo mais justo e solidário. A integração dessas perspectivas pode enriquecer o debate público e ajudar a superar a polarização entre direita e esquerda.
Refletindo sobre o Bem Comum
O bem comum transcende qualquer ideologia política. Ele é um princípio filosófico que busca o florescimento de todos os membros da sociedade, garantindo direitos fundamentais, liberdade e igualdade de oportunidades. A busca pelo bem comum exige diálogo, empatia e a capacidade de reconhecer tanto os méritos quanto os limites de cada perspectiva ideológica.
Filósofos como Aristóteles e Rousseau enfatizaram a importância da virtude cívica e da participação ativa na sociedade como pilares do bem comum. Em suas obras, ambos argumentaram que o bem-estar de uma comunidade não pode ser alcançado sem que os cidadãos reflitam criticamente sobre suas escolhas e participem ativamente no debate público. Assim, a adesão a uma ideologia não deve ser um ato de fé, mas uma decisão consciente e fundamentada no contexto social e histórico.
A Política como Ferramenta, Não como Fim
A divisão entre direita e esquerda é útil na medida em que organiza ideias e propostas, mas é perigosa quando se torna um fim em si mesma. A política deve ser vista como um meio de servir à sociedade, não como um campo de batalha entre inimigos irreconciliáveis. A superação da polarização exige uma visão mais pragmática e menos dogmática da política, onde a busca por soluções concretas e justas prevaleça sobre rótulos ideológicos.
Conclusão
Escolher entre direita e esquerda sem considerar o bem comum é um risco que a sociedade não pode se dar ao luxo de correr. Em um mundo cada vez mais interconectado e desafiado por questões como desigualdade, mudanças climáticas e crises políticas, a solução não está em escolher um lado, mas em construir pontes entre eles. Somente assim poderemos criar uma sociedade verdadeiramente justa e sustentável, onde a política é guiada pelo propósito maior de promover a dignidade humana e o bem-estar coletivo.
Nova Venécia/ES, 07 de janeiro de 2025.
Sigamos em paz,
Rafael Cremasco Lacerda