PUBLICAÇÕES Incompreensões da Vida A Jornada de Superação: Enfrentando Desafios e Redescobrindo a Fé
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A Jornada de Superação: Enfrentando Desafios e Redescobrindo a Fé
Um dia me disseram o quê eu deveria ser; um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão, que os heróis nem sempre vencem. Foi assim o início da escuridão…
A vida de contos de fadas para alguns dura um tempo maior; para mim, esse tempo não passou dos cinco anos de idade. Minha criação não me permitiu viver na bolha dos contos ou na redoma de vidro fora da realidade. Logo na infância, tive que aprender a me defender dos moleques mais fortes e desviar dos covardes que formavam grupos para me agredir, pois o fato de ser filho de policial já era motivo suficiente para apanhar nas ruas.
Aprendi que às vezes dava para resolver o problema enfrentando diretamente da mesma forma, com violência. Quando o inimigo era forte demais, dava para comprar um guarda-costas por algumas moedinhas, mas para ser respeitado tinha que impor o medo.
Aprendi que não bastava falar, era necessário agir, e às vezes o silêncio era a melhor estratégia, deixando o tempo se encarregar do resultado esperado. Amigos surgiram, e inimigos também — talvez mais inimigos do que amigos. Os caminhos que me levavam a uma vida de paz não me traziam o retorno financeiro necessário para uma vida digna, pois o trabalho com tecnologia da informação não era valorizado. Era a época da internet discada, e poucos tinham acesso. Meus sonhos e projetos foram minados pela realidade da época, onde a tecnologia da comunicação ainda estava engatinhando.
A falta de empregos e a desvalorização da mão de obra empurraram muitos jovens para as carreiras militares, onde havia promessas de disciplina, educação, estabilidade financeira e plano de carreira. Embora os salários fossem baixos, ao menos pagavam as contas. Muitos entraram na carreira militar com a esperança de pagar uma faculdade e mudar de vida; outros, com o desejo de crescer dentro da corporação; e uma minoria por amor, iludidos pela imagem heroica dos policiais.
Em todos os casos, o cidadão que ingressa na carreira militar sofre um grande impacto em sua vida pessoal. Pessoas se afastam, as festividades se tornam parte da jornada de trabalho e não mais de lazer, e as rotinas imprevisíveis causam problemas dentro do convívio familiar. Noites de sono são perdidas durante o serviço e outras tantas nos poucos dias de folga, preocupados com ameaças e processos inerentes à profissão. Pessoas passam a odiar o militar sem motivo aparente, vendo nele a mão forte do Estado.
Com o passar dos anos, o militar percebe que nada que ele faz muda a triste realidade do país: miséria, fome, corrupção, tráfico de drogas, tráfico humano, tráfico de armas, trabalho escravo, roubo, estupro, violência doméstica, abuso de autoridade, assédio moral, assédio sexual, entre tantas outras mazelas que a sociedade passou a encarar como normais.
Que os animais possuem mais direitos que eles: constatam que os cavalos e cães, utilizados durante o serviço, possuem horários para alimentação e descanso, além de cuidados especiais, ao passo que o próprio policial militar tem que ser superior ao tempo, desconsiderando as próprias necessidades básicas.
Vivendo numa bolha de sensação de inutilidade e incapacidade, o militar busca no sorriso de uma criança inocente ou em pequenas vitórias a motivação para continuar a luta. A sensação de que não é capaz de sair da zona de sofrimento domina, e a esperança nos sonhos do passado se perde, junto com qualquer expectativa de um futuro melhor.
O militar passa a ser automotivador para sobreviver, buscando reconhecimento em pequenas apreensões de drogas, recuperação de objetos roubados ou furtados, chegando ao extremo de motivar-se a cada morte de criminosos como num jogo de videogame em que a vida não possui nenhum valor - assim como eles enxergam a própria vida.
Lembro-me que nos primeiros anos saíamos às ruas como cães ferozes em busca de criminosos dispostos a morrer em confrontos. Eram uma forma de impor respeito pelo medo, não era possível conquistá-lo com o que tínhamos a oferecer. Na teoria tudo era muito lindo, no entanto na prática não tínhamos aprendido a ser cordiais nos cursos de formação, a bem da verdade éramos tratados como objetos descartáveis. A cordialidade e respeito existiam apenas nos filmes da Disney, a realidade é exatamente a retratada no filme Tropa de Elite, talvez um pouco pior em alguns casos.
Em um ambiente de trabalho insalubre, mantido pela necessidade de ter um emprego para subsistência, o militar enfrenta a insanidade de sacrificar a própria vida por pessoas que, muitas vezes, nem agradecem e ainda falam mal dele. Isso só pode ser explicado pela Síndrome de Estocolmo, um fenômeno psicológico comum em situações extremas, onde a vítima acaba protegendo seu algoz. O mesmo comportamento pode ser visto em mulheres que, apesar de espancadas por seus parceiros, se recusam a abandoná-los.
Paga-se um preço muito alto por uma ilusão imposta dentro do seio familiar ou social, em que nos vendem a falsa ideia que os vencedores são aqueles que estudam para passar em um concurso público para ter estabilidade, porém, ninguém te conta que você pode morrer no primeiro dia de serviço ou até mesmo antes disso durante o curso de formação. Esqueceram de contar que a estabilidade é muito relativa, pois, poderá ser dispensado por diversos motivos, inclusive injustamente ao ser perseguido por fazer o certo. Em nossa realidade distorcida os fortes só aceitam as benesses da lei, no entanto, os fracos aplicam os rigores da lei sem qualquer constrangimento.
Fatalmente tal situação insalubre ocasiona quadros de insônia, irritação excessiva, agressividade, lapso de memória, ansiedade, depressão, síndrome de burnout (esgotamento), além de patologias físicas. O militar passa a acreditar que não é capaz de fazer mais nada da vida entrando num quadro depressivo profundo, de difícil tratamento, chegando em muitos casos ao cometimento do suicídio. Aqueles que chegam ao final da carreira, muitas vezes, estão solitários, incapazes de manter relacionamentos saudáveis devido aos problemas trazidos para o lar.
O militar aprende a sofrer em silêncio, pois seus próprios colegas o censuram para manterem a aparência de super-homens. Vivem agarrados a uma ilusão de superioridade da qual não se sustenta fora da própria bolha criada nos quartéis, onde são acostumados a impor suas vontades e serem bajulados pelos inferiores. Vivem num sistema imposto à semelhança dos sistemas de castas indiano, onde cada um nasce para servir ou ser servido, onde os inferiores não podem questionar seus destinos e nem vislumbrar sair deles. Nesse sistema frágil e insustentável, convenientemente mantido por força de leis da década de 60, o militar abre mão dos direitos fundamentais do livre pensamento e de ir e vir. Sutilmente perde sua liberdade e privacidade, direito de administrar seus investimentos e aos poucos se vê totalmente dependente do militarismo, trocando sua saúde por migalhas de esperança e algumas moedas.
A distorção de valores e sucessão de fatores alienantes dentro da atmosfera vivenciada pelos militares, fazem o militar acreditar que podem e devem ser agredidos durante os cursos de formação ou qualquer tipo de treinamento. A depender do nível de alienação, o militar aceita ser agredido por qualquer motivo sem questionar, ou até mesmo agradecer pelas agressões sofridas.
Nesse contexto de distorções da verdade, a hierarquia e disciplina culturalmente são usadas como mordaças para impedir os subordinados de obterem informações e falarem a verdade. De modo geral vivemos de aparência, a semelhança dos fariseus que fingiam ser superiores escondendo seus pecados.
Por falar em fariseu, certa vez, um religioso me disse que eu seria policial devido à minha insistência, mas seria uma experiência breve, e que a espiritualidade me tiraria, nem que eu tivesse que adoecer para isso. Não era nada comum uma pessoa estranha dizer algo tão específico para outra pessoa desconhecida. Dada a especificidade da informação, convivi com essa dúvida até o momento em que fiquei doente e não conseguia um diagnóstico ou solução para meu problema.
Não bastaram os inúmeros sinais de que eu estava seguindo pelo caminho errado, precisei ficar doente para remover as vendas dos olhos e enxergar a realidade.
Precisei passar pela escuridão: ameaças de morte, tentativas de homicídios, abandono dos amigos e familiares, isolamento… tudo por uma ilusão sem sentido, algo que deveria ser apenas provisório, porém não quis acreditar.
Deus tentou me livrar de todas as formas desse sofrimento, quebrei o nariz quando criança para dificultar qualquer tentativa de teste físico com corrida, passava mal em todas as provas, porém de tanto insistir consegui passar nos testes aplicados e sobrevivi ao curso de formação.
Deus, em sua infinita sabedoria e misericórdia, nos dá diversas oportunidades de mudar de vida. Precisamos ter fé em nós mesmos e acreditar no Criador para dar o primeiro passo para sair dos lugares que não nos fazem bem, pois, melhor viver com pouco e ser feliz do que ganhar muito sendo infeliz.
Para aqueles que se apegam às escrituras, por analogia ao caminho da porta estreita acabam entendendo que tudo que é certo é difícil, no entanto, o caminho do trabalho não precisa ser de dor e sofrimento. O caminho trilhado por Jesus de Nazaré foi uma difícil jornada, muitas foram as tentativas de distrações, tentações da matéria e ataques espirituais e físicos, findando com sua morte e ressurreição, no entanto, ele seguiu até o fim para nos ensinar através do exemplo o improvável: a vida eterna, o perdão dos inimigos, a caridade e o amor incondicional.
Para nós, simples viajantes nessa “terra de gigantes”, como dizia a música do Engenheiros do Hawaii, onde trocam-se vidas por diamantes, em que cada um é uma ilha vivendo em seu egocentrismo, sem se importar com nada além de si. Nessa terra inóspita de caridade, seguimos o caminho do amor com muita resistência dos desvairados de toda sorte, encarnados ou não, que não desejam encarar de frente a verdade e aceitar os próprios erros em busca de redenção.
Apesar de estarmos vivendo temporariamente num planeta de provas e expiações, não necessariamente devemos permanecer no sofrimento, aliás o sofrimento nada mais é do que um sinalizador indicativo que precisamos mudar algo em nossa vida, ele funciona como um alerta. Não devemos viver a experiência carnal em sofrimento para alcançar a felicidade, já entendemos que a vida em abundância é a espiritual e que a vida na terra é apenas uma breve experiência, onde a felicidade é relativa, pois sentimos as limitações da matéria, bem como os desconfortos do corpo físico.
Sabendo disso, apesar da morte do corpo físico a vida jorra em abundância, logo não é matando criminosos que se combate o mal, isso apenas prolonga os sentimentos de injustiça daqueles que partiram, causando mal ainda maior que reverbera em toda atmosfera terrestre gerando sentimentos mórbidos, pois tudo é energia e está interligado.
Não percamos nossa fé, somos aquilo que desejamos ser. Não acredite nas limitações que a sociedade nos impõe e na maldade alheia.
Deus quer ver nosso sorriso, e se para isso for necessário, Ele nos dará as condições para vencer desafios, seja passando em outro concurso ou abrindo nosso próprio negócio. Assim como Ele me deu a capacidade de passar em um novo concurso de tecnologia da informação sem dificuldades, Deus age em nossas vidas, abrindo portas e derrubando muralhas quando preciso, sempre guiando-nos rumo à felicidade.
Nunca desista de buscar a felicidade e de fazer o bem, sempre guiado pelo verdadeiro amor. Que sejamos capazes de espalhar a verdade e o amor de Jesus de Nazaré, iluminando o caminho daqueles ao nosso redor.
Nova Venécia/ES, 11 de outubro de 2024.
Sigamos em paz,
Rafael Cremasco Lacerda